Glúten: vilão ou mocinho?

Nos dias atuais tem se debatido muito sobre a questão do trigo. O trigo é umas das principais fontes de glúten e o alimento mais consumido. Muitas vezes aparece o questionamento como os alimentos naturais podem causar problemas para o ser humano? Um alimento que é consumo há séculos e agora está desenfreadamente sendo citado como vilão. Para explicar esse questionamento quero compartilhar uma pesquisa feita sobre o trigo e a relação com o nosso organismo.

O trigo que consumimos hoje não é o mesmo que nossos antepassados consumiam. Nas últimas décadas o trigo foi o alimento que mais sofreu alterações genéticas, e é a maior fonte de carboidrato em todo o mundo. O aprimoramento genético tem como objetivo melhoria das características do alimento e aumento na produtividade, mas também trouxe com alguns efeitos com toda essa mudança.

Entenda o que é o Glúten e sua evolução nas últimas décadas.

Transformação genética do Trigo

A espécie de trigo mais antiga é a Triticum urartu ou triticum monococcum. É uma espécie Diplóide, possui 2 conjuntos de 7 cromossomos (genoma AA).

Cerca de 8.500 anos atrás esta espécie sofreu uma hibridização natural com outra gramínea silvestre do gênero Aegilops speltoides, resultando em um trigo híbrido mais fértil e com mais grãos. Uma espécie tetraplóide, possui 2 conjunto de 7 cromossomos do Triticum urartu mais 2 conjuntos de 7 cromossomos da espécie Aegilops speltoides, com 28 cromossomos(genoma AABB). Esta espécie foi chamada de Triticum turgidum. A ultima espécie de trigo sofreu uma bibridização com outra gramínea Aegilops tauchii (doadora do genoma D), resultando no Triticum aestivum, uma espécie hexaplóide (AABBDD). Esta espécie é a base do trigo que consumimos hoje. Para entender melhor a explicação, veja uma a evolução do trigo na imagem abaixo.

Revolução Verde

O Dr. Norman Borlang desenvolveu um trabalho de aprimoramento de espécies e conseguiu multiplicar a produtividade do trigo. A revelação desse trabalho lhe render o Prêmio Nobel da paz em 1970. Seu trabalho foi com o intuito de melhorar a resistência do trigo contra pragas, melhorar e aumentar a produção. Com esse novo projeto, a cultura do Triticum aestivum passou a ser feita de forma intensa.

            A partir das descobertas do Dr. Norman, grandes laboratórios deram continuidade ao seu trabalho. Técnicas complexas de hibridização e alteração genética, seleção de sementes, desenvolvimento de fertilizantes químicos e pesticidas específicos, a produção de trigo teve um aumento de 800%.

Devido as mudanças sofridas pelo trigo nos últimos tempos e a grande oferta de trigo na alimentação, podemos entender a razão de tantos problemas na saúde com o consumo do trigo. A variedade moderna de trigo expressa maiores quantidades de gliadina, proteína associada a Doença Celíaca e outros distúrbios imunológicos.

O glúten

O glúten é um termo aplicado a uma família de proteínas. Essas proteínas responsáveis pelas manifestações de sensibilidade ao glúten incluem, gliadina (trigo), secalina (centeio) e hordeína (cevada). Na aveia, é a avidina (sem ação na manifestação de sensibilidade ao glúten), porém ela pode ser contaminada pela gliadina durante plantio ou produção.

A gliadina é composta por uma cadeia de aminoácidos, assim como todas as proteínas, porém a gliadina é uma proteína mais difícil de fazer digestão e isso é um grande problema. Nosso organismo só consegue absorver as proteínas quebradas, como aminoácidos. Para quebrar as ligações dos aminoácidos que formam as proteínas precisamos de enzimas específicas. A gliadina existe uma quantidade muito grande de glutamina e prolina entre os aminoácidos. Embora esses dois aminoácidos apresentem muitos benefícios ao nosso organismo, é muito difícil fazer a quebra das suas ligações, principalmente a prolina. Esse fato faz com que várias proteínas não consigam ser quebradas ficando um pedaço maior de proteína, onde não corpo não consegue absorver e entende como um agressor podendo provocar várias reações. O destaque é para os alimentos que contém a prolina e glutamina, sendo a gliadina, o trigo.

Glutamina – entenda mais sobre esse aminoácido

Distúrbios relacionados ao glúten

A ingestão de glúten é considerada o desencadeador de Distúrbios Relacionados ao Glúten (DRG). Na DRG, a dieta sem glúten é o principal, eficaz e, ainda assim, o único método de tratamento. Quando falamos em glúten hoje temos vários tipos de quadros clínicos relacionados e quero aqui explicar um pouco sobre cada um deles para que entenda a diferença.

Distúrbios Relacionados ao Glúten (GRDs):

  • Doença Celíaca (DC),
  • Alergia ao trigo (AT) e,
  • Sensibilidade ao glúten não celíaco (SGNC).

A DC é uma doença crônica autoimune que ocorre em indivíduos geneticamente suscetíveis com genótipos HLA-DQ2 e/ou HLA-DQ8. A DC é caracterizada pela intolerância à ingestão de glúten, contido em cereais como cevada, centeio, trigo e malte e, pela presença de anticorpos sorológicos específicos, tais como: IgA anti-transglutaminase tecidual, IgA anti-endomísio e IgG anti-peptídeos de gliadina desamidados.

Até o momento, DC e AT constituem as entidades mais conhecidas e estudadas, que são mediadas pelo sistema imunológico. AT – classificada como uma alergia alimentar clássica é induzida pela ingestão de trigo (não apenas glúten) que leva à hipersensibilidade tipo I e tipo IV. O papel crucial no distúrbio AT é desempenhado pelas imunoglobulinas IgE.

As hipersensibilidades são classificadas em: Tipos I, II, III (mediados por anticorpos) e IV (mediado por células T e macrófagos).

TIPO I – Imediata ou Anafilática: Geralmente ocorrem em 20 a 30 minutos após a exposição. Resultam da síntese de IgE específica.

TIPO II – Anticorpos Citotóxicos:  Mediada por anticorpos, onde nesse tipo de reação, os anticorpos IgG e IgM são autoimunes e ligam-se a antígenos.

TIPO III – Complexos Imunes:  Mediada por complexos imunes. Deposição de complexos imunológicos, o que resulta em ativação do complemento e inflamação.

TIPO IV – Tardia: Podem levar mais de 12 horas para ocorrer. Esta reação é caracterizada pela chegada ao foco inflamatório de um grande número de linfócitos específicos para o antígeno, produção de mediadores e atração de fagócitos.

O termo “sensibilidade ao trigo não celíaco” (STNC) tem sido um tema de interesse nos últimos anos. Essa tendência está associada a um grande número de estudos sobre a síndrome. O termo STNC é mais adequado por causa de outros componentes além do glúten, que podem contribuir para sintomas intestinais e extra-intestinais. STNC é uma condição caracterizada por manifestações clínicas e patológicas, relacionadas à ingestão de glúten em indivíduos nos quais DC e AT foram excluídos.

Intestino e glúten: segundo cérebro

O intestino é o principal órgão afetado pelo consumo do glúten, sofrendo com alterações como, inflamação locais e alteração da permeabilidade da mucosa. Essas alterações podem afetar a absorção de micronutrientes e facilita a passagem de LPS. O LPS é o lipopolissacarídeo é um componente da membrana de bactérias gram-negativas, responsáveis pelo aumento da secreção de moléculas pró-inflamatórios.

O intestino apresenta múltiplas funções para nosso organismo, a mucosa intestinal também é produtora de vários hormônios, enzimas, neurotransmissores e células de defesa, a ingestão do glúten também pode afetar a produção desses marcadores.

As proteínas do glúten além de serem resistentes à quebras enzimáticas do trato gastrointestinal, em alguns indivíduos, essas proteínas não degradadas podem cruzar a barreira epitelial e ativar o sistema imunológico: desencadeando uma resposta alérgica ou autoimune. A digestão incompleta leva a alterações significativas no intestino humano e causa sintomas intestinais ou extra-intestinais. A gliadina e outras proteínas do glúten estimulam as células T, responsáveis pelo quadro inflamatório.

O glúten afeta tanto a permeabilidade intestinal quanto a inflamação. Hoje em dia, a dieta sem glúten se torna a melhor alternativa de pessoas saudáveis que buscam emagrecimento devido ao receio de um quadro inflamatório em seu organismo. Está na moda e é promovida por muitas celebridades uma dieta sem glúten, exibindo o emagrecimento e saúde em resposta á essa dieta. Muitas pessoas acabam adotando esse perfil alimentar sem precisar clinicamente. Em 2016, foram gastos cerca de 15,5 mil milhões de dólares na venda de alimentos sem glúten. Esse valor é mais que o dobro do de 2011.

Reflexão

A dieta sem glúten é um caminho para diminuir a inflamação no paciente, mas nem todo mundo precisa e deve passar pela mesma conduta. Uma pessoa com quadro clínico ao glúten tem uma necessidade diferente de quem só precisa desinflamar. Busque um profissional especialista para lhe ajudar a conduzir a sua saúde.

REFERÊNCIAS

CARREIORO, D. Glúten: toxicidade, reações e sintomas. 1 edição. São Paulo: Editora Vida e Consciência Ltda, 2013.

ROSZKOWASKA, A. et al. Non-Celiac Gluten Sensitivity: A Review. Medicina. v. 66, n. 6, 2019.


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